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Lá se vão milhares de anos de parceria entre o grão-de-bico e o ser humano. Ele alimentou povos antigos na área conhecida como Crescente Fértil, que compreende Irã, Síria, Líbano, Turquia, Jordânia, Israel, entre outros. Daí que muitas das receitas tradicionais trazem o tempero daquela região. Viajou para a Índia e também conquistou a Europa, em especial os países banhados pelo Mar Mediterrâneo.
Pelas mãos dos espanhóis, finalmente aportou na América. Por aqui, passou muito tempo à sombra do primo queridinho dos brasileiros, o feijão. Ultimamente, porém, anda roubando a cena. “Podemos dizer que o consumo de grão-de-bico quase dobrou no último ano”, afirma o engenheiro-agrônomo Warley Nascimento, chefe-geral da Embrapa Hortaliças, no Distrito Federal.
A espécie se adaptou bem ao nosso clima. “Requer pouco uso de defensivos agrícolas e não exige tanta água”, comenta o pesquisador.
Em termos nutricionais, algumas características sobressaem. Assim como outros integrantes da família das leguminosas (lentilha, ervilha, feijões e soja), o grão-de-bico é um grande fornecedor de proteína. Não à toa, quem abandona o bife costuma virar fã dele — falamos de pelo menos 30 milhões de vegetarianos no Brasil, número que só tende a crescer.
O alimento é conhecido como “grão da felicidade” justamente pela presença abundante de um pedacinho de proteína, o triptofano. “Esse aminoácido é importante para a produção da serotonina, neurotransmissor responsável pela sensação de bem-estar“, explica a nutricionista Lara Natacci, da Dietnet, na capital paulista, que estuda a ação de nutrientes em prol da saúde mental.
A leguminosa ainda guarda porções de antioxidantes, substâncias que neutralizam a ação dos temidos radicais livres. Com isso, zela pela integridade e pelo funcionamento do cérebro. Carboidratos, vitaminas, fibras e minerais também são parte de uma combinação que é pura alegria — e gostosa pra valer.
De sabor suave e consistência macia após o cozimento, sua versatilidade tende a agradar todo mundo. Já fazia sucesso no Império Romano, em um prato conhecido como pulmentum, precursor da polenta.
Aliás, vêm desses tempos longínquos os rumores de que a leguminosa teria poder afrodisíaco. Diz a lenda que os antigos a utilizavam para alimentar seus melhores cavalos para dar aquela força à reprodução. Não se tem comprovação científica sobre tais efeitos, mas talvez o triptofano ajude a explicar a fama.
Documentos revelam ainda que ela integrava a lista de suprimentos encontrados nas tumbas dos faraós, até mesmo do célebre Tutancâmon. Alguns historiadores chegam até a creditar aos egípcios a primeira versão de homus, que então era chamada de pasta de her-bik, ou pasta de bico de falcão, numa alusão ao formato do grãozinho. A iguaria, que também leva gergelim, se popularizou nas cozinhas libanesas, sírias e judaicas e há disputas para definir quem detém a melhor receita.
Atualmente, quem diria, há empresas nos Estados Unidos que produzem o homus doce. É uma alternativa à geleia ou ao chocolate para cobrir sobremesas. Resta saber se as vovós árabes aprovam…
Um minicurrículo do grão-de-bico
Origem: o berço do grão-de-bico é a região da Turquia. Achados arqueológicos revelam que sua domesticação data de 6500 a.C.
Família: ele é do clã das leguminosas, espécies que se desenvolvem em vagens. Lentilha, ervilha, feijão, soja e amendoim são seus parentes.
Tipos: o grão de coloração creme e que faz sucesso por aqui é chamado kabuli. Na Ásia, reina o tipo desi, que é pequenino e escuro.
Produção: a Índia ocupa o primeiro posto no ranking mundial. Na América, o México e a Argentina estão entre os maiores produtores.
Consumo: outra vez, os indianos lideram. Trata-se da principal fonte proteica no país. A demanda é alta porque 60% da população é vegetariana.
As diferentes formas de aproveitar o grão-de-bico
Com a popularização das dietas com exclusão ou redução de alimentos de origem animal, as plant-based diets, o grão-de-bico aparece em preparos exóticos aos olhos mais tradicionais. Serve como matéria-prima de hambúrgueres, bolos, massas, pizzas, sobremesas e snacks.
Nós, inclusive, já ensinamos algumas receitas que levam a leguminosa. Se quiser aprender a fazer um hambúrguer caseiro, clique aqui. Agora, se está procurando um prato doce, veja uma versão diferente de brownie.
Ainda que a tecnologia da indústria esteja aí para extrair o melhor do grão, itens duvidosos também podem surgir nas gôndolas. “É fundamental ficar de olho na composição e priorizar os produtos com poucos ingredientes na composição”, ensina a nutricionista Gabriela Parise, da clínica NutriOffice, em São Paulo, e membro da Sociedade Vegetariana Brasileira.
Fuja de opções com gordura hidrogenada e cheque teores de gordura saturada, sódio e açúcar.
Farinha: matéria-prima de pães, pizzas e bolos, enche as receitas de proteínas. “As versões integrais também fornecem fibras“, destaca Lara.
Snacks: em forma de chips ou como grãozinhos torrados, são boas pedidas para os lanches. Mas, outra vez, vale atenção à quantidade de sódio.
Conservas: são perfeitas para compor saladas e vinagretes. Entretanto, há marcas que exageram no teor de sal. Compare os rótulos.
Ao natural: o grão seco é o formato mais tradicional encontrado no mercado. “A maior vantagem é preservar os nutrientes”, opina Lara Natacci.
Cozido e fechado a vácuo: aqui, a praticidade é o destaque. “Excelente alternativa para preparar cozidos e substituir o feijão”, indica a nutricionista.
Rodízio de leguminosas
Para quem conta com brechas na correria do cotidiano, a sugestão é se render às artes culinárias. “Vale se aventurar e descobrir diferentes modos de preparo”, sugere a médica Marcella Garcez Duarte, da Associação Brasileira de Nutrologia.
Que fique claro: grão-de-bico é opção bem-vinda a todos os cardápios, e não apenas à turma que cortou a carne. Nem é para substituir o nosso arroz com feijão de cada dia por ele, mas desvendar outras possibilidades.
A ciência não cansa de elencar motivos para fazermos um rodízio de leguminosas. Um estudo publicado no periódico científico American Journal of Clinical Nutrition comprova as habilidades dessa turma na manutenção do peso. Lara Nataccci enumera um dos mecanismos por trás desse feito: “As proteínas estimulam a secreção de hormônios responsáveis pela saciedade”, explica.
Além disso, grão-de-bico e afins apresentam baixo índice glicêmico, o que colabora para o controle das taxas de glicose e uma menor liberação de insulina. Não à toa, a ingestão desses alimentos também é associada por pesquisas à diminuição do risco de diabetes tipo 2.
Para completar, destaca-se a presença das fibras, que prolongam a mastigação e atrasam o esvaziamento gástrico, brecando aquela fome que retorna a toda hora. Grande parte do conteúdo fibroso se concentra na casquinha que recobre o grão.
Mas tem gente que a dispensa, com receio de estufamento e gases. “Embora a técnica de deixar de molho ajude a atenuar esses sintomas, há indivíduos mais sensíveis às fibras, o que requer investigação”, avisa a nutróloga.
“A sugestão é variar o modo de preparo de acordo com as preferências e a cultura de cada um”, ressalta Gabriela. Ora com casca, ora sem, em saladas, no puchero espanhol, nos cozidos portugueses, nas pastas árabes ou mesmo em sobremesas e hambúrgueres veganos… Com o grão-de-bico entre os ingredientes, vão sobrar bom humor e motivação na cozinha.
Receita de aquafaba, o caldo do grão-de-bico
Ingredientes: bastam grão-de-bico e água. Nada de sal. O ideal é começar do zero, com o grão seco. Mas há quem use a versão em conserva.
Medida certa: na hora de ir à panela, para cada xícara (chá) do grão, inclua três de água. Se secar, adicione um tantinho mais do líquido.
Tempo no fogo: são, em média, 20 minutos na pressão. Mas, para quem optar por panela comum, o período dobra. Uma sugestão é usar fogo baixo.
Deixe esfriar: o passo seguinte é o resfriamento. Depois de coar os grãos, o líquido deve descansar na geladeira por oito horas.
Use e abuse: em geral, três colheres (sopa) de aquafaba substituem um ovo nas receitas. Ela vai bem em mousses, maioneses, merengues e afins.
Dicas para saborear o grão-de-bico e potencializar seus benefícios
Tempo de molho: a sugestão é deixar pelo menos oito horas e trocar a água. Além de o tempo de cozimento cair, essa estratégia colabora com a digestão.
Não cozinhe demais: evite deixar o alimento muito tempo no fogo. Tomando esse cuidado, ele não perde a deliciosa consistência.
Aproveite o líquido: o caldo que sobra do cozimento é abastecido de vitaminas do complexo B e outras preciosidades. Não jogue fora.
Capriche na combinação: para ter acesso a uma proteína completa, associe o grão-de-bico a cereais, ou seja, aveia, arroz, milho, entre outros parceiros.
Que tal congelar: você pode prepará-lo em um dia mais tranquilo, levar ao freezer e descongelar quando quiser consumir.
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