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Na receita de uma mente com ansiedade, preocupação e nervosismo estão entre os principais ingredientes. Juntos e em excesso, fazem desandar a qualidade de vida e rendem prejuízos ao corpo todo. Para que a situação não saia do controle, é crucial misturar diagnóstico, sessões de psicoterapia e, se for necessário, medicação na dose certa. Ao que tudo indica, porém, a lista de itens aliados deve crescer. Anote aí: sardinha, salmão, linhaça, chia… Fontes de EPA, DHA e ALA, siglas que fazem referência ao ômega-3, esses alimentos despontam em pesquisas por sua atuação contra a tensão mental.
Um estudo brasileiro recém-saído do forno acaba de fisgar essa associação. Faz sentido, já que nosso país ocupa o topo do ranking mundial de ansiosos. Para sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP), a nutricionista Lara Natacci analisou dados do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto — Elsa-Brasil, coletados em Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória. Foram esmiuçados questionários sobre os hábitos alimentares e a ocorrência de distúrbios entre 12 268 adultos. “Tudo validado pela classificação internacional de doenças (CID)”, comenta.
Conclusão: os maiores consumidores de ômega-3 apresentaram menor risco de sofrer de ansiedade em relação às pessoas com baixa ingestão. Ou seja, os pescados ocupam o centro da mesa da turma de cuca fresca.
Embora a pesquisadora ressalte que falta muito para elucidar os efeitos da gordura desses alimentos na massa cinzenta, não resta dúvida de que seu potencial anti-inflamatório entra na jogada. Há evidências de que o consumo de ômega-3 favoreça a produção de resolvinas e ajude a diminuir a quantidade de citocinas.
Traduzindo: essa gangorra na fabricação de substâncias é que colabora para o controle da inflamação. “Ocorre, então, uma melhora na comunicação entre os neurônios. Além disso, certas áreas do cérebro, como o hipocampo, são preservadas”, explica Lara.
Não é de hoje a constatação de que nossa cabeça tem fome dos tais ácidos graxos poli-insaturados. Eles compõem muitas estruturas cerebrais. Não à toa, o homem paleolítico se estabeleceu em torno de lagos, rios e mares.
Atualmente, com tanta facilidade, em um país banhado por tanta água, não tem desculpa para ficar sem peixe no prato. Algumas diretrizes sugerem o consumo de até 1,6 grama de ômega-3 por dia
Do outro lado do mundo, em centros de pesquisa chineses, a mesma ligação entre ômega-3 e ansiedade foi destrinchada em uma revisão de 19 estudos sobre o tema, envolvendo 2 240 participantes de 11 países. Robusto e fresquinho, ela indica que a substância seria capaz de abrandar os sintomas da ansiedade.
A nutricionista Selma Sanches Dovichi, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, analisou o trabalho e explica que, entre outras coisas, o ômega-3 modula processos neurobiológicos, como os sistemas de neurotransmissão e neuroplasticidade — basta entender que eles são essenciais para manter a saúde mental. Entretanto, a professora é cautelosa e acredita que mais pesquisas precisam ser realizadas antes de bater qualquer martelo.
Mas, como o assunto borbulha, já que os transtornos de ansiedade crescem ao redor do globo, a ciência não para. Pesquisadores franceses também estão atrás de respostas. Em um artigo publicado recentemente, eles exploram os possíveis mecanismos por trás das benesses da família poli-insaturada.
Tanto EPA quanto DHA — mais comuns em peixes — parecem interferir no chamado eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. “Com isso, colaboram para reduzir a liberação de substâncias como o cortisol”, observa a nutricionista Maria Fernanda Cury Boaventura, da Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo. Trata-se de um hormônio que, em excesso, tem tudo a ver com o estresse.
Onde encontrar o ômega-3, uma gordura do bem
Peixes: sardinha, salmão, cavala, arenque e alguns pescados amazônicos estão entre os melhores redutos. As postas de 100 gramas oferecem de 1 a 5 gramas.
Linhaça: deve ser triturada para liberar o nutriente. A dica é bater no liquidificador e comer em seguida. Em uma colher há quase 6 gramas da gordura.
Chia: essa sementinha concentra 5 gramas de ômega-3 em uma colher e já está pronta para ser saboreada. Basta acrescentar a sucos, saladas, sopas…
Óleos: o de canola oferece o melhor balanço de gorduras poli-insaturadas. Dependendo da marca, uma colher pode ter 1 grama de ômega-3. Veja o rótulo.
Os suplementos… e como consumir as fontes de ômega-3
Ainda que alguns estudos mencionem o potencial das cápsulas de ômega-3 no combate à ansiedade, não se chegou a nenhum consenso sobre sua recomendação para esse fim. Fora que especialistas não aconselham ingerir suplementos por conta própria.
E, vamos combinar, é melhor saborear comida a engolir drágeas. Fica, então, o convite para se render ao sushi. Só o ritual dos restaurantes japoneses já é pura calmaria. Para completar, os peixes tradicionais dessa cozinha estão repletos de ômega-3.
E sabe o motivo de os pescados acumularem essa gordura? É que ela tende a ser mais líquida. Os nadadores de águas profundas e gélidas não poderiam concentrar no organismo um tipo mais consistente, pois acabariam congelados. “Quanto à sardinha, embora o habitat seja menos frio, o comportamento migratório faz com que a espécie precise de grandes aportes de energia”, explica Hellen Kato, pesquisadora da Embrapa Pesca e Aquicultura.
Uma estratégia para aproveitar até a última gota é comer o peixe com a pele mesmo. “Ali, nas vísceras e na cabeça, estão as maiores concentrações de ômega-3”, diz o nutricionista Dennys Cintra, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
As melhores fontes vegetais, caso de linhaça e chia, oferecem a versão chamada ALA, precursora do EPA e do DHA. Dentro do organismo, pela ação de enzimas, ela se converte, revelando seus dotes. É só ter calma… Mas isso, investindo no cardápio certo, você terá de sobra.
O equilíbrio com o ômega-6
Especialistas são unânimes: em geral, a população está consumindo muito mais ômega-6 — presente sobretudo em óleos vegetais — do que o ômega-3. O abuso de comida industrializada ajuda a explicar esse desbalanço.
A questão é que tal desajuste pode servir de estopim a processos inflamatórios. Para evitar chabus no cérebro e no coração, vale seguir um conselho prático: abra espaço no menu para os peixes de águas frias, linhaça e chia.
Por outro lado, diminua a ingestão dos óleos, especialmente os de milho e girassol. Com menos ômega-6 circulando pelo organismo, o ômega-3 já encontrará uma condição favorável para colocar em prática suas virtudes.
Ômega-3 contra outros transtornos psiquiátricos
Depressão: eis o principal alvo de estudos. Nesse caso, entre os trunfos da gordura está a modulação de neurotransmissores associados ao humor.
TDAH: o nutriente atenuaria sintomas do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Há correntes que incentivam seu consumo na gestação como medida preventiva.
Autismo: pesquisas apontam que a ingestão de ômega-3 traria mais qualidade de vida a alguns indivíduos com a doença. A interação social sairia beneficiada.
Esquizofrenia: há bons indícios de que DHA e EPA seriam capazes de interferir nos mecanismos envolvidos nas crises de alucinação.
Transtorno bipolar: marcado por oscilação no humor, esse distúrbio é mais um dos investigados por ser passível de melhora com a presença de ômega-3.
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